terça-feira, 29 de setembro de 2009

Dupla Efeméride


Não é todos os dias que se podem celebrar duas efemérides de grande relevância para o cinema em Portugal. A data merece ser assinalada, na medida em que faz hoje cinquenta e um anos que foi dado um passo de gigante (aliás dois), na actividade de divulgação de cinema.
Neste dia, 29 de Setembro, em 1958, a imberbe Cinemateca Nacional, então assim chamada, iniciava a sua actividade oficial, com a 1ª Retrospectiva de Cinema Português, uma mostra de dez filmes do periodo do mudo, cobrindo os anos de 1911 a 1930.
Exactamente no mesmo dia, o Cineclubismo que também hoje está de Parabéns, encontrava um organismo que lhe imprimia um carácter mais oficial do que até então. O movimento cineclubista, que ajudou a formar gostos, paixões, públicos e cineastas, via nascer a Federação Portuguesa de Cineclubes, ao tomar posse a sua Comissão Organizadora.
Seria tempo, ao cabo de 51 anos, que os organismos aqui lembrados se unissem em laços de colaboração que, até agora, são privilégio de alguns, graças sobretudo aos conhecimentos pessoais. Obviamente que não vou apontar nomes nem instituições, pois para bom entendedor meia-palavra basta muito bem...
LG

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Cinema Português 3: Paulo Rocha

O curso de Direito estava destinado ao abandono. Em Paris, diploma-se no IDHEC - Institute des Hautes Études Cinematographiques (onde conhece António da Cunha Telles), antes de ser assistente de Jean Renoir em 1962.
É o realizador que roda as primeiras imagens do Novo Cinema Português, ao realizar em 1963 Os Verdes Anos. História que narra uma certa Lisboa, o aprendiz de sapateiro e a sopeira interagem pelas avenidas novas, local onde nasce o próprio movimento do Cinema Novo.
Partindo de uma pequena notícia de jornal, o argumento simples sobre uma juventude fora do seu ambiente, detectava, justamente, o que de traiçoeiro Lisboa tem para o sufoco dessa juventude.
Mais tarde, o fascínio pelo Oriente leva-o ao Japão, onde foi adido cultural, altura em que a figura de Wenceslau de Moraes se torna incontornável no seu percurso...
LG

Filmografia em Cinema:
1963 - Os Verdes Anos
1966 - Com Servir o Vinho do Porto
1966 - Mudar de Vida
1971 - Sever do Vouga... Uma Experiência
1972 - A Pousada das Chagas
1982 - A Ilha dos Amores
1984 - A Ilha de Moraes
1987 - O Desejado ou As Montanhas da Lua
1988 - Máscara de Aço Contra Abismo Azul
1998 - O Rio do Ouro
2000 - A Raiz do Coração
2001 - As Sereias
2004 - Vanitas ou O Outro Mundo

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Um Homem Entre Mulheres?

Não se trata de nenhuma espécie de manifesto de carácter machista. Era o nome de uma "sitcom" dos anos 80, da qual não encontrei o título original, recuperado pelo blog para o que de facto interessa, isto é, a sessão do Cineclube desta semana.
Claro que Pranzo di Ferragosto, 2008, não é nenhuma "sitcom", mas se tomarmos pouca atenção ao tema que aborda, talvez achemos divertido. Mais profundamente, encontramos neste filme, a estreia na realização do actor e argumentista Gianni di Gregorio, todo um processo autoreflexivo.
A 15 de Agosto celebra-se na Itália o Ferragosto, tradicionalmente um feriado religioso. Giovanni, ao contrário dos seus amigos e conhecidos, não vai passear nesse dia. É um "bon vivant", não trabalha, e vive com a sua idosa mãe, sobrevivente de uma ultrapassada aristocracia. A sua débil situação financeira obriga-o a tomar conta da mãe do senhorio, atrás da qual surgem mais duas senhoras. Assim, Giovanni passa o Ferragosto na companhia de quatro idosas.
O que tem o filme de particular? Em primeiro lugar, o facto de ser um trabalho de auto-reflexão em que o autor se representa a si próprio. É a catarse de uma fase da vida em que durante 10 anos viveu com e para assistir às necessidades da mãe, com cerca de 90 anos.
Em segundo lugar, são senhoras conhecidas de di Gregorio e não actrizes. Há uma tia do realizador, uma amiga de família e duas escolhidas de cerca de 100 entrevistadas em lares de acolhimento de idosos.
Em terceiro lugar, a acção decorre no exacto apartamento onde di Gregorio viveu com a sua mãe, recurso como os demais, de um filme de baixo orçamento.
É portanto um projecto de cunho extraordinariamente pessoal. Trata-se de um homem que abdica da sua vida pessoal, de constituir famíla, da sua independência, da sua vida social, em benefício do bem-estar materno que, em Itália e como é sabido, sobretudo com filhos únicos, é figura de grande possessividade e exigência.
Um filme em que se reflecte sobre a terceira idade, as suas carências, pequenas alegrias e expectativas, saudades e muita sabedoria com muito para ensinar.
E foi assim durante a rodagem, pois di Gregorio reconheceu que elas "inventaram o filme" e "inventaram coisas mais bonitas do que o que estava escrito". A necessidade de interacção entre elas foi o mais enriquecedor, pois chegavam ao apartamento sem saber o que fazer e divertiam-se. Conviviam e ensinavam.
Apetece convocar outro filme, americano desta vez, que reflectia sobre a solidão na terceira idade, filme em que Jack Nicholson compõe, com a sua versatilidade nem sempre reconhecida, a sua personagem mais fragilizada de sempre. Essa prova de maturidade de um realizador de 40 anos, Alexander Payne, chama-se About Schmidt. Na viuvez e na solidão, Schmidt tem que contar com a assistência da filha e confrontar-se com a vida pessoal desta.
Mas ao contrário de Giovanni, que quer ficar de consciência tranquila ao ver a mãe partir, Schmidt percebe que partirá com a gratidão de ter ajudado uma criança a crescer com melhores condições do que as que o Uganda muitas vezes permite.
Infância e terceira idade próximas, a mãe de Giovanni como Ndugu, duas personagens que, de idades opostas, permitem pontos de aprendizagem sobre a vida, de acordo com a sua perspectiva.
Dois filmes obrigatórios, mas em relação a Pranzo di Ferragosto, a oportunidade é esta quinta-feira, no nosso Cineclube.
LG

Patrick Swayze, 1952-2009

Foi actor que partiu muitos corações nos anos 80, sobretudo nos filmes Dirty Dancing, 1987 e Ghost ("O Espírito do Amor"), 1990. Bailarino e príncipe encantado de Jennifer Grey e Demi Moore, foi a personificação dos sonhos adolescentes de uma geração de meninas.
Despediu-se ontem, aos 57 anos. O blog assinala o desaparecimento de um ícone cinematográfico de uma época...
LG

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Cinema Português 2: António da Cunha Telles

O "script" com que nasceu dizia que iria ser médico. Chegou a estudar para isso, mas o cinema falou mais alto e concluíu o curso do IDHEC - Institute des Hautes Etudes Cinematographiques em Paris, no ano de 1961.
Nas mesas do Café Vá-Vá, em Lisboa, foi mudado o rumo do cinema em Portugal, transformação a que deu corpo com outros jovens cineastas com estudos em Paris (Paulo Rocha) e Londres (Fernando Lopes). A estes se juntou António de Macedo, arquitecto camarário mas com vasta experiência no cinema publicitário, documental e experimental.
O mito diz que Cunha Telles produziu as primeiras longas-metragens dos três realizadores com a ajuda da herança de família. Verdade ou não, Os Verdes Anos de Paulo Rocha marca o início do chamado Cinema Novo Português, no ano de 1963, ao qual se junta em 1964 Belarmino, de Fernando Lopes, e Domingo à Tarde de António de Macedo em 1965.
Como realizador, O Cerco é a sua estreia na longa-metragem, em 1970, mas Cunha Telles sempre foi essencialmente um produtor, com numerosa obra e créditos firmados em Portugal e também em França.
Onze anos se passaram, desde 1993 até voltar a realizar. Em Tavira foi um sucesso, ou não estivesse o filme cheio de exteriores - e alguns interiores também - rodados pela cidade. Chama-se Kiss Me, e conta como em tempos politicamente conturbados, uma mulher sofrida e corajosa (Marisa Cruz) parte o coração de três homens: Manuel Wiborg, Rui Unas e Nicolau Breyner.
Homenagem "a alguns bons filmes e seus autores", é a última realização de Cunha Telles até agora. Para trás ficou outra passagem pelo Algarve, em Continuar a Viver ou Os Índios da Meia-Praia, documentário sobre a comunidade piscatória da Meia-Praia que, como cantava o Zeca, é ali mesmo ao pé de Lagos.
De resto, o seu cinema passa por Lisboa e pelos jovens de várias épocas, as suas vidas, dificuldades, alegrias, desilusões. Mesmo a obra colectiva As Armas e o Povo, em pleno 1º de Maio de 1974, o primeiro após a revolução, vai dos discursos de Cunhal e Soares até às expectativas dos jovens populares, combatentes, estudantes, de sorriso rasgado e cravo ao peito, há 35 anos atrás...
LG

Filmografia como realizador:
1962 - Os Transportes
1970 - O Cerco
1974 - Meus Amigos
1975 - As Armas e o Povo (colectivo, Trabalhadores da Actividade Cinematográfica)
1976 - Continuar a Viver ou Os Índios da Meia-Praia
1983 - Vidas
1993 - Pandora
2004 - Kiss Me

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

BBB vs. Clube de Tavira

Se fossem dois BB, porventura este seria um artigo sobre a "sex-symbol" francesa mais famosa do mundo, Brigitte Bardot, que andou nos Anos 60 pela 7ª Arte a fazer bater mais depressa muitos corações, hoje sexagenários.
Se fosse portuguesa, chamar-se-ia Florbela Queirós, espécie de clone luso do fenómeno BB, que andou pela televisão, teatro, revistas (em palco e no papel). Em cinema fez umas coisas, sobretudo em Pão, Amor e... Totobola! e A Canção da Saudade, obras de Henrique Campos em que a música e o twist imperam.
O devaneio vai longo. BBB significa, em "taliban" algarvio, Boris Buggerov Band, banda de tributo a Bob Dylan. A próxima actuação vai ser no próximo Sábado dia 12, no Clube de Tavira, onde contamos com o virtuosismo do Paulo, o ritmo do Guillermo e as boas cordas (vocais e de guitarra), a teimosia e a admiração por Bob Dylan do André.
Pela minha parte, tenho muita pena de não poder estar presente, num concerto que vinca bem o renovado Clube de Tavira, com a lufada de ar fresco da responsabilidade do Paulo, Filipe, Mário e Rui. Aos outros peço desculpas por não nomear, mas a verdade é que não os conheço. Estão todos de Parabéns!
Uma última palavra em especial para o André, que para ir actuar vai passar por cima do sofrimento, em nome da boa música, da amizade e de Tavira. Um Abraço!
LG

Douro Film Harvest

Tem início hoje, na outra ponta do país, o 1º Douro Film Harvest, festival de cinema no Douro Vinhateiro, nas localidades de Torre de Moncorvo, Santa Marta de Penaguião, Lamego e Vila Real. A proposta do evento é chamar a atenção da região, classificada pela UNESCO, como local de cenários naturais para rodagem de cinema.
O programa é pontuado por vários outros eventos que potenciam a promoção da região, como os convívios em restaurantes e bares debruçados sobre a paisagem, ou concertos de onde se destaca o do guitarrista Kyle Eastwood.
A abrir, em Torre de Moncorvo, o filme Julie & Julia de Nora Ehpron. Nas notas de produção pode ler-se: "Baseado em duas histórias reais, Julie & Julia entrelaça as vidas de duas mulheres que, embora separadas pelo tempo e espaço, se encontram perdidas nas suas vidas... até descobrirem que, com a combinação certa de paixão, coragem e manteiga, tudo é possível."
Mulheres de diferentes gerações que se descobrem e interagem, funciona sempre bem, ainda mais com a presença de Meryl Streep (o elenco conta também com Amy Adams e Stanley Tucci). The Devil Wears Prada ("O Diabo Veste Prada") de David Frankel, ou The Hours ("As Horas") de Stephen Daldry, demonstram isso mesmo.
Culinária, é ingrediente que já provou funcionar na tela, poderoso produto cinematográfico, que se pode recordar em La Grand Bouffe ("A Grande Farra") de Marco Ferreri, Babbetes Gaestebud ("A Festa de Babbete") de Bille August, ou The Cook, The Thief, His Wife and Her Lover ("O Cozinheiro, O Ladrão, a Sua Mulher e o Amante Dela") de Peter Greenaway. Apetece acrescentar os mais recentes Como Agua Para Chocolate de Alfonso Arau, Chocolat de Lasse Hallström e Ratatouille de Brad Bird e Jan Pinkava, que em Portugal recebeu o infeliz título de "Ratatui".
Para abrir um certame que tem como principal pano de fundo a região do Vinho do Porto, as 524 receitas de Julia que Julie procura reproduzir, podem fazer sentido. Mas com ou sem comida, com mais ou menos vinho, o importante é assinalar o nascimento de mais um festival de cinema em Portugal, sobretudo por promover culturalmente não só a região do Douro como também o país, e procurar chamar até nós a rodagem de produções de outros países.
Mais informações em http://dourofilmharvest.com/
LG

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Imagens de Arquivo

Quando em setembro de 2004, António da Cunha Telles rodou em Tavira o filme Kiss Me, o edifício do Arquivo Histórico Municipal emprestou a sua fachada, e fingiu ser a sala de cinema onde a protagonista Marisa Cruz se encantava com os filmes protagonizados por Marilyn Monroe. A referência cabe aqui neste espaço, mas não venho falar de Cunha Telles, nem de Marilyn, e muito menos de Marisa Cruz.
É já de algum tempo a iniciativa do Arquivo. Chama-se "Tavira a Preto e Branco" e procura sensibilizar os particulares que possuam fotografias antigas que, à partida, são todas de potencial interesse para o conhecimento, estudo e investigação sobre aspectos do Concelho em disciplinas que vão da Arquitectura à Antropologia, da Etnografia à Hstória Local, ou que não passam de "simples" curiosidade que acabam sempre por ser de interesse geral.
O blog faz eco desta iniciativa, fazendo uma sugestão que eleva a fasquia. Por que não abrir o projecto às imagens em movimento? Será que não há quem tenha pequenos filmes em formato amador de 8mm, Super8 ou mesmo o mais invulgar 9,5mm? E se houver, que vantagens isso teria para a descoberta, que pedras não seriam levantadas!
Não se trata de uma idéia original, justiça se faça à Câmara Municipal de Torre de Moncorvo e ao seu projecto pioneiro.
A digitalização de tais imagens, se as houver, urge tanto ou mais do que as imagens impressas em papel fotográfico. Porque a sua riqueza é muito maior, e porque muito maior é a sua perecidade.
Fica a sugestão, como também fica o alerta de que a propriedade dos materiais nunca sai das mãos particulares, que é sempre uma preocupação de quem tem "tesouros escondidos".
Naturalmente, seria de extremo interesse a divulgação de tais imagens, o que significaria uma série de "joint forces" entre várias instituições do Concelho, coisa que me parece ser muito positiva.
Afinal, a Cultura não é ferramenta ou propriedade. É de todos e para todos.
Fica a sugestão, com mais informações em http://www.cm-tavira.pt/cmt/parameters/cm-tavira//files/File/Projecto%20de%20Recolha%20de%20Fotografias.pdf
LG

Poppy na Terra da Felicidade

Esta semana, no nosso Cineclube, vamos ter a oportunidade de ver o último trabalho do britânico Mike Leigh, Happy-Go-Lucky.
A independente professora primária Poppy é livre, descomprometida e descontraida, simpática, por todos adorada. Poppy personifica a Felicidade e a Alegria, com uma atitude condizente e inabalável que, à força de ser exteriorizada a cada passo, pode ser confundida com falta de sensibilidade, como reflecte a reacção de Scott.
Com esta obra, o realizador parece acabar por decretar uma ruptura com o percurso que vinha trilhando, de Bleak Moments a Vera Drake. Na sua obra cinematográfica (tem vasta experiência na televisão), Leigh não só sempre filmou em Londres, como retratou, ao longo da sua obra, aspectos negativos e incómodos da sociedade. A vida difícil e conformada dos mais desfavorecidos, a problemática do aborto, os desviados das regras sociais, os "podres" familiares que em surdina ajudam à sua estruturação, o fim da felicidade conjugal.
Poppy, por outro lado, apresenta-se como o lado positivo de uma sociedade. A cidadã livre de preocupações, perfeitamente focada na alegria e felicidade, blindada às questões negativas, simbolo do perfeito Ser Humano nesta utopia de Mike Leigh.
Isto é, se por um lado este filme é contrário à obra anterior de Leigh, Happy-Go-Lucky é, por outro lado, o apontar o dedo a problemas que talvez apenas o aparentem ser. Como se Poppy fosse um anjo que indicasse o correcto caminho a percorrer, num mundo de extrema complexidade, onde as coisas não são simplesmente pretas ou brancas.
Isto poderia levar-nos por caminhos que que podiam acabar em Frank Capra e na sua obra magistral It's a Wonderful Life ("Do Céu Caiu uma Estrela", 1946), mas fica - talvez - para outras "núpcias".
Para já, o convite é para esta quinta-feira, no nosso Cineclube.

Filmografia (em Cinema) de Mike Leigh:
1971 - Bleak Moments
1988 - High Hopes
1991 - Life is Sweet
1993 - Naked
1996 - Secrets and Lies
1997 - Career Girls
1999 - Topsy-Turvy
2002 - All or Nothing
2004 - Vera Drake
2008 - Happy-Go-Lucky
LG

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

A Propósito de Chaplin, Charlie

A verdade é só esta. Ao fim de 90 anos, os seus "gags" continuam a funcionar para miúdos e graúdos. A comédia foi a sua arma, baseada numa existência dura marcada pelo alcoolismo e morte do pai, loucura da mãe, a miséria na infância. Porém, essa comédia não é mais do que uma espécie de filtro para contar as suas histórias e falar das suas idéias, por vezes violentas ou politicamente incorrectas, os seus ódios e estimas, suaves ou controversos.
É o caso de The Immigrant, 1917, que foca a miséria que força à procura de uma vida melhor nos EUA, país que acolheu o próprio Chaplin e fez dele um milionário, mas que também foca a violência muitas vezes exercida pela autoridade. Daí o célebre e politizado pontapé no traseiro do oficial de imigração, objecto de polémica na altura. Dizia Chaplin que, "hoje e sempre, um pontapé na autoridade faz rir".
Este é um dos títulos disponíveis na edição recentemente lançada em Portugal com curtas-metragens de Charles Chaplin, pela Divisa: Chaplin - Todas as Suas Curtas-Metragens para a Essanay e a Mutual. Trata-se da sua produção na segunda e terceira empresa por onde passou, num período que vai de 1915 a 1917, e uma oportunidade de ouro para conhecer trabalho muito significativo, no âmbito de uma colecção que dá pelo nome de Orígenes del Cine.
Na verdade, é nestes anos que Chaplin apura a sua personagem de sempre - ou quase sempre - que não é mais do que um vagabundo, mas de maneiras requintadas, sem sorte na vida, que consegue ir do egoismo ao maior dos corações, e que acaba (quase) sempre sozinho, longe de um emprego, de uma casa ou de uma companheira.
Até então, na Keystone, Chaplin não só não tinha plenos poderes, como fez do vagabundo um canal para pouco mais do que o puro "gag", salvo algumas excepções.
Só depois, na First National, o vagabundo se revela um evidente canal de reflexão de Chaplin sobre a sociedade, com destaque para A Dog's Life, The Pilgrim e, sobretudo, The Kid.
Tal facto torna-se evidente nas produções para a United Artists, onde roda os celebérrimos The Gold Rush, que recentemente vimos na Mostra de Cinema Não Europeu, The Circus e, muito especialmente, City Lights, com o mais belo Grande Plano que alguma vez fechou um filme (ver foto), e Modern Times, um hino venenoso à modernidade, ao cinema, ao consumo, à classe trabalhadora, ao patronato, a tantas coisas mais da sociedade que recuperava da Grande Depressão.
Abandona o vagabundo no momento em que o faz falar, depois de uma resistência contra todos ao cinema sonoro, mas projectando-o para além de si durante mais dois filmes, pelo menos, e até hoje pelo seu legado. Eis a Filmografia:

PERIODO KEYSTONE (1914)
Making a Living
Kid Auto Races at Venice
Mabel's Strange Predicament
Between Showers
A Film Johnnie
Tango Tangles
His Favorite Pastime
Cruel, Cruel Love
The Star Boarder
Mabel at the Wheel
Twenty Minutes of Love
Caught in a Cabaret
Caught in the Rain
A Busy Day
The Fatal Mallet
Her Friend the Bandit
The Knockout
Mabel's Busy Day
Mabel's Married Life
Laughing Gas
The Property Man
The Face on the Bar Room Floor
Recreation
The Masquerader
His New Profession
The Rounders
The New Janitor
Those Love Pangs
Dough and Dynamite
Gentlemen of Nerve
His Musical Career
His Trysting Place
Tillie's Punctured Romabce
Getting Acquainted
His Prehistoric Past

PERIODO ESSANAY
(1915)
His New Job
A Night Out
The Champion
In the Park
A Jitney Elopement
The Tramp
By the Sea
Work
A Woman
The Bank
Shanghaied
A Night in the Show
A Burlesque on Carmen
(1916)
Police

PERIODO MUTUAL
(1916)
The Floorwalker
The Fireman
The Vagabond
One A. M.
The Count
The Pawnshop
Behind the Screen
The Rink
(1917)
Easy Street
The Cure
The Immigrant
The Adventurer

PERIODO FIRST NATIONAL
A Dog's Life (1918)
The Bond (1918)
Shoulder Arms (1918)
Sunnyside (1919)
A Day's Pleasure (1919)
The Kid (1921)
The Idle Class (1921)
Pay Day (1922)
The Pilgrim (1923)

PERIODO UNITED ARTISTS
A Woman of Paris (1923)
The Gold Rush (1925)
The Circus (1928)
City Lights (1931)
Modern Times (1936)
The Great Dictator (1940)
Monsieur Verdoux (1947)
Limelight (1952)

PRODUÇÃO INDEPENDENTE
A King in New York (1957)
A Countess From Hong Kong (1967)
LG

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Cinema Português 1: António de Macedo

Para aqueles que não conhecem, tenho o prazer de apresentar António de Macedo. Cineasta, escritor e investigador, Macedo vai passando por merecidas homenagens, ainda que não sejam alvo de grande alarde noticioso.
Depois de tímida espécie de homenagem na Cinemateca, onde foi possível ver o seu último filme, Chá Forte com Limão, do já longínquo 1993, recebeu o prémio de Consagração de Carreira da SPA e, mais recentemente, foi homenageado no Encontro de Cinema Fantástico Português que decorreu na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Agora, e como o blog já anunciou, é a vez do MOTELx, o que acontecerá daqui a dois dias. Noutro lugar, chamei a este realizador o Bom, o Mau e o Vilão. É uma piada cinéfila, é verdade, mas penso que se aplica a este realizador. Ora vejam:
António de Macedo, o Vilão, pois teve a frontalidade de, enquanto cineasta, enfrentar um sistema que defendia - e defende - como parcial e tendencioso na atribuição de subsídios para que se façam filmes no nosso país, facto que lhe valeu uma guerra com o então-poder e o elevado preço de não voltar a filmar.
António de Macedo, o Mau, pois o seu cinema é injustamente rotulado por quem faz de "opinion-maker" como "kitsch", vulgar e desinteressante, em vez de inventivo e caso singular de uma obra coerente; ao longo da quase totalidade das suas 15 longas-metragens, fora o grande número de curtas-metragens, do documental ao publicitário, do institucional ao experimentalista.
António de Macedo, o Bom, pois os seus filmes são feitos com base em ideias do seu interesse – e não vou referir que há aqui alguns dos maiores êxitos de bilheteira do luso cinema –, que é possível juntar num grande grupo a que se pode chamar exotérico-científico, nunca se tendo desviado desse mesmo caminho. Além disso, foi o único realizador português que verdadeiramente se interessou de forma presistente e preocupada, investigando a sério e solucionando novos horizontes técnicos, propondo efeitos visuais que fizessem frente aos apertados recursos financeiros, isto nos anos 70 e 80.
O seu trabalho de escritor é já um percurso coerente no campo exotérico e neo-gótico, campos em que é investigador. Para trás ficam manifestações de interesse em Música Concreta e em Cinema. Fez parte do verdadeiro e restrito núcleo central do Cinema Novo Português, juntamente com Paulo Rocha, Fernando Lopes e António da Cunha Telles. É neste âmbito que surge a sua primeira longa-metragem de ficção, Domingo à Tarde, no ano de 1965. As outras são:
Sete Balas Para Selma, 1967
Nojo aos Cães, 1970
A Promessa, 1972
O Rico, o Camelo e o Reino ou O Princípio da Sabedoria, 1975
As Horas de Maria, 1976
O Príncipe com Orelhas de Burro, 1979
Os Abismos da Meia-Noite ou As Fontes Mágicas de Gerénia, 1983
Os Emissários de Khalôm, 1987
A Maldição de Marialva, 1990
Chá Forte com Limão, 1993
LG

Emoções Fortes

Não. Não se trata de uma publicidade à marca Jack Daniel's. Trata-se sim, das emoções fortes que o evento MOTELx pode proporcionar aos espectadores que acorrem às exibições do Festival de Cinema de Terror de Lisboa.
Independentemente de ser um género de eleição de uma ou de outra pessoa, a verdade é que há experiências que cativam o espectador. O apelo do sofrimento é, acredite-se ou não, natural no Homem, um Ser que vive na "corda bamba" da sua dualidade Eros / Thanatos, isto é, entre o Amor e a Morte.
Sobre o MOTELx 2009 salientam-se dois dias. O primeiro, dia 3/9 (ontem), foi dia de festa. A curta-metragem Reborn, de António Pascoalinho, apresentou-se ao público como não mais do que uma paródia em torno do género, contando no elenco, como Pascoalinho, um crítico e entusiasta do género, Filipe Lopes, velho amigo do nosso Cineclube, mas de quem nem todos se conseguirão lembrar, e que nos brindou há anos com a apresentação de A Clockwork Orange, de Stanley Kubrick.
À longa-metragem Linkeroever, ("Margem Esquerda" no título português), produção belga de 2008 realizada por Pieter Van Hees, um morna história de uma paixão prejudicada por cultos satânicos com origens medievais, sucedeu um dos pontos altos do dia. A projecção do filme português de vanguarda A Dança dos Paroxismos, de Jorge Brum do Canto, 1929, conto fantástico que alia o sobrenatural ao bucólico e onírico, que o autor dedicou a Marcel L'Herbier. A novidade foi a música criada e agora apresentada ao vivo durante a projecção, com base em guitarra, teclas e samplers.
Extraordinário, é o facto de este filme ter sido restaurado pela Cinemateca Portuguesa, sem que esta instituição tenha cedido ao MOTELx uma cópia nova a condizer com esse restauro, com as expectativas construidas em torno da sessão (praticamente esgotada), e com a presença de centenas de interessados, profissionais e investigadores do género fantástico.
A razão da atitude da Cinemateca? Simples, o facto de no mesmo dia e à mesma hora, a instituição projectar uma cópia - esta sim - a partir do restauro, colhendo os louros que ninguém lhe tiraria por essa façanha. A Sala Félix Ribeiro não teve um terço dos espectadores da Sala 1 do Cinema São Jorge, a 200 metros de distância uma da outra...
A noite continuou com a exibição de X de Jorge Cramez, uma maçada travestida de filme de terror "barato" que, de resto, é o apanágio do próprio enredo. Mas para o fim estava reservado Martyrs, produção francesa de 2008, realizada por Pascal Laugier. Considerado um dos pontos altos do certame, a sessão da meia-noite não gorou expectativas. Premiado no Festival Internacional de Cinema de Catalunya, conta a história de uma rapariga raptada e mantida em cativeiro por um casal em condições sub-humanas. Depois de escapar, e volvidos 15 anos, procura vingar-se não por ela, mas por uma fantasma que a martiriza. O resto não posso contar. Posso apenas sugerir que se tente trazer o filme a Tavira, um caso sério de Cinema de Terror que toca o fantasmagórico, o gore e o terror psicológico.
O MOTELx termina no dia 6/9, dia em que é homenageado um realizador português - o cineasta maldito do Cinema Português - com a projecção da sua obra de 1992 A Maldição de Marialva: António de Macedo. Adaptado do conto A Dama Pé-de-Cabra, é uma obra do homem que mais trabalhou o fantástico, o exotérico em Portugal. Mas sobre esse assunto, fica para falar noutra oportunidade.
Abraços "cineclubísticos".
LG

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

To Be Continued...

Terminados que estão o Verão e as Mostras de Cinema de 2009, é de salientar os 2485 espectadores contabilizados este ano, o que dá o óptimo número de, feitas as contas, perto de 113 espectadores por sessão.
Perdoem-me os mais apolíticos pela observação, mas o público destes nossos eventos, com esta afluência, deu um recado ao poder local que, mantendo-se ou não da mesma cor, vai forçosamente mudar.
São números que encorajam a continuar a mostrar cinema no Verão (e não só), com o bom ambiente que conhecemos, e assim permita o novo poder em cartaz a partir de Janeiro do próximo ano. O apoio da Câmara Municipal de Tavira é essencial à continuidade do Cineclube e da sua programação.
É desejável não destruir o que vem sendo construido de há dez anos a esta parte. O Cineclube de Tavira e a Cultura em geral, que tanto cresceu no Concelho, agradecem. Afinal, é de presumir que o logotipo da Câmara Municipal continue a fazer sentido: "Tavira Vive Cultura"...
LG