quinta-feira, 27 de maio de 2010

Mudar de Vida

Não. Não falaremos do filme Mudar de Vida de Paulo Rocha. Mas a mudança de hábitos de uma vida inteira é o tema do filme programado para hoje pelo Cineclube de Tavira.
Realizado pelo norueguês Bent Hamer, o filme O'Horten (A Nova Vida de O'Horten) fala-nos do fim de uma carreira como maquinista de um homem que, no último dia de trabalho, se vê envolvido em imprevistos e atribulados acontecimentos que contrastam com a história da sua vida laboral.
Como nos habituarmos a uma vida sem o referencial do trabalho diário, é o tema sobre o qual o filme procura relectir. É inevitável a comparação com o norte-americano About Schmidt (Sobre Schmidt) de Alexander Payne, que proporcionou em 2002 um extraordinário desempenho - mais um - a Jack Nicholson, que reformado e viúvo, vê a sua vida em estado de ruptura e a precisar de mudanças.
Para os mais atentos a cinematografias menos óbvias, lançamos o desafio de o comparar a T'am E Guilass (O Sabor da Cereja) realizado em 1997 pelo iraniano Abbas Kiarostami. Neste filme, o protagonista empreende uma viagem (também) interior aos fantasmas mal resolvidos, processo catártico antes da viragem da sua vida - a morte.
E, falando um pouco de cinema português, o realizador Manuel Guimarães abordara o tema em Cântico Final de 1975, onde Ruy de Carvalho desempenha o papel de um professor de liceu que, condenado por um cancro, regressa à aldeia-natal para se confrontar com memórias passadas. Seria o último trabalho deste realizador, o único que em Portugal se aproximou de facto dos predicados primordiais do Neorealismo.
Enquanto não chega ao mercado DVD - existe uma edição velhinha em VHS - lancemos um olhar e reflictamos sobre o caso do sr. O'Horten norueguês. Podemos depois, compará-lo com o americano Schmidt. Esta noite, no nosso Cineclube.
LG

A Cidade, O Campo, O Museu

Em Tavira, no próximo Sábado dia 29 de Maio, será inaugurada a exposição Cidade e Mundos Rurais.
A ideia é proporcionar uma visão sobre o legado agrícola da região, e para a qual a exposição exibe peças (hoje) museológicas, de um tempo em que a agricultura estava na base da sobrevivência de grande parte da população.
Para ajudar à abordagem de um tempo desaparecido, o Museu Municipal de Tavira conta com o precioso auxílio de fotografias, multimédia e excertos de filmes que, dos anos 30 aos anos 60, proporcionarão perspectivas que hoje são, literalmente, História.
Um tópico a adicionar no roteiro cultural e exposição a não perder, de 29 de Maio deste ano a 18 de Junho de 2011.
LG

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Vozes Silenciosas

É porventura uma expressão - entre outras possíveis - que pode definir o que o cineclube tem para nos oferecer esta semana. Falamos do filme Ruínas, com razoável receita de exibição e premiado o ano passado em Lisboa no Festival Indie e também no Festival de Documentário de Marselha.
Manuel Mozos (de quem já vimos a ficção 4 Copas) dirige com a precisão de um relógio uma obra que, documental, vive também da justaposição de elementos para produção de sentidos, convocando-nos para olhar em direcções menos directas.
Se o mote do filme é a implosão das torres da península de Tróia e as imagens do cemitério do Prado do Repouso, é porque o realizador pretende convocar a morte. Morte por destruição, morte por ausência de quem desapareceu. Mas estes dois trechos têm a habilidade de nos fazer reparar em espaços que não estão destruídos, estão apenas esquecidos pelas pessoas.
Todavia, esses espaços continuam habitados por "fantasmas", vozes do passado, lembradas em passagens de textos que são lidas e que convocam a anterior habitabilidade dos edifícios agora vazios. É por isso que sentimos o sanatório das Penhas da Saúde, completamente abandonado, cheio de memórias e vozes que o habitam ainda, tal como acontece com o restaurante Panorâmico de Monsanto. Um e outro, exemplos entre muitos, acabam por invocar a memória do século XX português.
Em última análise, é do país que se trata. Um país que, como os edifícios, tende a uma dignidade silenciosa, envolto em memórias de outros tempos muitas vezes convocados, talvez demasiadas vezes. E sem que surja remédio. Diz o próprio Manuel Mozos: "Há um lado, que sinto que é um bocadinho o país, de grandes esperanças mas, ao mesmo tempo, de uma certa mesquinhez, uma coisa de remediado."