sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Theo Angelopoulos, 1935-2012

Diz O Público que Angelopoulos "era o rosto do cinema grego, o vulto maior de uma cinematografia que permanece, para o resto da Europa, largamente desconhecida."

Ao contrário de vários outros, com Constantin Costa-Gavras à cabeça, que pertencem a um grupo de cineastas gregos em permanente "emigração nómada", como Polanski o é em relação à Polónia; Angelopoulos filmava a Grécia real, a Grécia contemporânea, ainda que por vezes a confrontasse com as suas incontornáveis raízes Clássicas.

Vencedor do Leão de Ouro em Veneza 1980 e da Palma de Ouro em Cannes 1998, Theo Angelopoulos filmava a questão do ser grego, em pequenas epopeias e odisseias que se desenrolam "dentro de um circuito frequentemente fechado", nas quais as personagens não cumprem objectivos, não chegam a lugar nenhum, utilizando com rara mestria o plano-sequência.

Continuando a parafrasear Luís Miguel Oliveira, "um dos últimos grandes estetas do plano-sequência, do plano longo e coreografado, "gramática" a que talvez não seja estranha a influência de cineastas do leste europeu". Assim sendo, em Angelopoulos pode ver-se um cinema mais oriental que ocidental, "como que exprimindo as fronteiras geográficas e culturais da Grécia".

Morreu há dois dias, perto de Atenas, vítima de atropelamento. Estava a rodar O Outro Mar...

LG


Filmografia para Cinema:

Peripeteies Me Tous Forminx, 1965

Ekpombi, 1968

Anaparastasi, 1970

Meres Tou '36, 1972

O Thiasos, 1975

Oi Kynigoi, 1977

O Megalexandros, 1980

Taxidi Sta Kythira, 1984

O Melissokomos, 1986

Topio Stin Omichli, 1988

To Meteoro Vima Tou Pelargou (O Passo Suspenso da Cegonha), 1991

To Vlema Tou Odyssea (O Olhar de Ulisses), 1995

Lumière et Compagnie, 1995

Mia Aioniotita Kai Mia Mera (A Eternidade e Um Dia), 1998

Trilogia: To Livadi Pou Dakryzei, 2004

Chacun Son Cinéma, segmento "Ce Petit Coup au Coeur Quand la Lumière s'Éteint et que le Film Commence", 2007

Mundo Invisível, segmento "Céu Inferior", 2011

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Habemus Papam

O Cineclube inaugura o ano de cinema com a exibição de Habemus Papam de Nanni Moretti. Com o novo ano e o estigma da renovação que sempre lhe está associado, veremos no Cine-Teatro António Pinheiro um Moretti que parte de uma sempre mediática renovação, a qual se traduz pela subida de um cardeal à cadeira de S. Pedro.

De um lado temos, então, um Papa que desejava não ser eleito, e que passa por uma crise existencial, recusando aparecer em público, enquanto milhares de fiéis aguardam ansiosamente que o novo Sumo Pontífice lhes acene da famosa janela do Vaticano.

Perante esta crise existencial, é convocado um psicólogo ateu (Moretti), o qual questiona a própria Fé do Papa (Michel Piccoli). O jogo que se desenrola, diálogo intenso entre o sagrado e o profano, divino e humano, drama e comédia (aqui as subtilezas de Moretti entram em evidência), tem lugar no tabuleiro da actual sociedade que, incrédula ou não, toma conhecimento de uma crise no seio da própria Igreja Católica, com uma sucessão de casos de alegada corrupção e pedofilia.

Tais factos vão deixando cair o manto divinal para deixar transparecer os interesses políticos e mundanos que sempre estiveram associados aos sucessores de São Pedro e seus colaboradores. Este é, em última análise, o interesse e o alvo do realizador. A sua filmografia é politizada, crítica, mas também intemporal. A sua riqueza é a forma como constrói esta temática com ferramentas como a leveza, o humor, a modéstia, a imaginação.

Este filme, indiscutivelmente para ver e reflectir, é irresistivelmente comparável a um clássico: The Shoes of the Fisherman, realizado em 1968 por Michael Anderson. Nesta obra, o cardeal ucraniano Kiril Lakota (Anthony Quinn) é eleito Papa, pouco tempo depois de libertado pelo governo soviético da sua condição de prisioneiro político na Sibéria. A conjuntura política é a Guerra Fria, para além de uma crise sino-soviética que ameaça explodir a qualquer momento o poder nuclear das duas potências.

O Papa Kiril I tem uma mensagem de Paz que promete pontuar o seu pontificado, enquanto ajuda o padre Telemond (Oskar Werner) a lutar contra a sua crise de Fé, sacerdote este que tem a solução para a crise entre os dois estados comunistas. Kiril I é um pacifista, é contra a ostentação por parte da Igreja, e mais humano do que o Clero imaginaria ou desejaria, ameaçando o papel secular da Igreja Católica no xadrez mundial.

Neste filme, tal como em Moretti, explora-se a humanização de alguém que se coloca, desejavelmente, próximo do divino. Várias foram as civilizações que o fizeram, divinizando imperadores, equiparando faraós a deuses. Todas elas se destruiram a partir de dentro...

Filme a descobrir ou redescobrir, o desafio é ver The Shoes of the Fisherman depois de Habemus Papam, pondo os dois em paralelo e em matéria de reflexão. 5ª feira, dia 5 de Janeiro, no nosso estimado Cine-Teatro António Pinheiro.

LG



segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

À Volta dos Livros

Bom Ano!

O blog formula os seus votos de bom 2012, ano que, paradoxalmente, se adivinha difícil. E a propósito, poderá ser paradoxal que um canal de comunicação, electrónico, ainda por cima motivado pelo Cinema, se ocupe de um assunto como o Livro. Livro. Esse objecto quase esquecido como fonte de informação, cultura, imaginação, criatividade, saber acumulado, fonte primordial (não é discutível), ultrapassado por poderosas fontes de informação, ora porque as imagens são de um poder de invasão avassalador para a mente humana, ora porque a informação - e as imagens - estão à distância de um "clic".

O Secretário de Estado da Cultura afirmou, em Outubro, que reforçaria "a política do livro com um aumento da dotação orçamental da Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas", o qual seria "seguramente superior a 100 por cento". Este reforço, para "pagamento de dívidas", asseguraria a "tradução de obras de autores portugueses no estrangeiro".

E a questão é precisamente esta. O Estado intervém na liquidação das dívidas das bibliotecas e investe na projecção de autores nacionais no estrangeiro. A acompanhar o estímulo à leitura do livro - tão querido a Francisco José Viegas - estão que medidas? A manutenção do IVA a 6% para o sector, não aquece nem arrefece. A iniciativa será então, para quem quiser e puder, do sector privado.

E aqui se enquadra a iniciativa, de louvar, de um recanto como a Lura dos Livros, que em Tavira estimula a leitura e a procura da mesma, ainda que para um público tendencialmente estrangeiro. Tem uma oferta mínima de leitura em português, mas no que respeita à oferta de Literatura Portuguesa, o número cresce notoriamente.

Uma proposta de Inverno, que o frio convida a que se procure um ambiente acolhedor. E tudo isto faz mais sentido, se tomarmos consciência de que em Tavira não há, neste momento, outra livraria. Na Lura (a propósito, este é um vocábulo esquecido, como os livros, que significa toca, refúgio), à volta dos livros, devemos reflectir um pouco sobre estas questões...

LG