segunda-feira, 26 de abril de 2010

Indie Highlights

Foi na 5ª feira passada que começou mais um festival de Cinema Independente de Lisboa. A abrir, um filme português pela primeira vez em sete anos. João Canijo assina Fantasia Lusitana, trabalho de montagem com base em imagens de arquivo do tempo do regime ditaturial português, concentradas na 2ª Guerra Mundial. Com satisfação, o filme (aliás, video) cumpriu as expectativas de uma das maiores salas de Lisboa, completamente esgotada. Sobre a ideia desta obra, damos a palavra ao próprio realizador, em entrevista no dia I (de Indie) ao jornal i:
"Não quero provar nada. A ideia é apenas mostrar como as coisas eram. E quem tiver olhinhos vê que a herança ainda cá está e o nosso país não mudou assim tanto".
O filme é um soberbo mergulho no Portugal dos anos 40, altura em que o país cinzento vivia num mundo "cor-de-rosa" enquanto a Europa, e não só, se consumia num conflito armado. Cépticos? As imagens falam por si, sem locuções que não as da época.
Em diálogo com este trabalho, o video Tarrafal - Memórias do Campo da Morte Lenta, que respira a claustrofobia das celas de uma das prisões do regime. Mas mais do que os presos políticos portugueses, a autora vai à procura dos testemunhos dos africanos do PAIGC que, durante a Guerra Colonial, ali encontraram a penalização pela sua actividade subversiva, que era como se chamava noutro tempo a quem lutava pela auto-determinação.
Do fim-de-semana, e ainda do cinema português, retivemos impressões do documentário A Cidade dos Mortos de Sérgio Trefaut, munido de um tema de grande potencial. Como é viver numa cidade onde se coabita permanentemente com os mortos? Assim acontece numa cidade egípcia em que as pessoas começaram a habitar os jazigos, primeiro momento da expansão de uma localidade que também é um enorme cemitério, onde os túmulos estão ao virar de cada esquina, ou atrás de cada porta, de cada sala, cozinha, quarto ou arrecadação.
The Bad Lieutenant de Abel Ferrara, encontra pela mão do alemão Werner Herzog, de quem já vimos Grizzly Man, um remake com Nicolas Cage. Grande desempenho do actor norte-americano, num enredo intrincado e de grande fôlego, mas sem a devida exploração do pano de fundo: as cheias de New Orleans. Esperar-se-ia porventura mais, de uma realizador conhecido por rodagens em extremas condições.
"Last but not least", o documentário Leonard Cohen: Live at the Isle of Wight, já deste ano. Murray Lerner foi um, entre muitos, dos operadores de câmara que acompanharam este concerto de 1970, no âmbito do festival de música daquela ilha britânica. Lerner junta imagens do concerto com outras de carácter contestatário, na base de conflitos havidos no festival. Entre outros intervenientes, entrevista de 2009 a Joan Baez. Uma hora de boa música e bom cinema documental.
O mesmo se poderá dizer, ainda que não tenhamos estado presente, do documentário When You're Strange. Realizado por Tom DiCillo, "a mais humana e honesta visão" sobre uma banda incontornável dos anos 70 e o seu carismático líder. O seu nome? The Doors, claro.
Como houve uma pausa na escrita deste texto, não para café mas para telefonema, podemos dizer que o André ficou entusiasmado com estes dois últimos filmes, ou não fosse um homem que gosta de música e que viveu (Viveu) os anos 70. Na melhor das hipóteses, o Cineclube vai conseguir projectar os dois, em ambientes de festa que já conhecemos e experienciámos.
Quanto ao Indie, veremos que novas surpresas nos reserva para antes, durante e depois das projecções pois, como diz o cartaz, são filmes que não terminam quando acabam...
LG

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Música, Western e Spaghetti: Ennio Morricone

A distinta sonoridade identifica-o, aliando melódicas notas a um bem conseguido gosto a kitsch que não é vergonha nenhuma. E de entre estas, têm particular expressão os westerns que na nossa vizinha Andaluzia se fizeram em tempos, no chamado Deserto de Almeria. Por ali andaram Clint Eastwood e Lee van Cleef, Eli Wallach e Gian Maria Volonté que, dirigidos por Sergio Leone, reinventaram o género conhecido por Western Spaghetti.
De orçamento muito mais baixo do que os grandiosos westerns de John Ford e companhia, as obras de Sergio Leone têm um lado melancólico, cru, pardacento, de heróis sujos e com barbas de dias, muito mais próximos de uma realidade de quem andou a desbravar as longínquas paragens norte-americanas.
Leone negou aos seus filmes e aos seus heróis o lado colorido e bem escanhoado de John Wayne. Claro que, tal efeito, teria de vir de uma país - Itália - que viu nascer o Neorealismo que conviveu com a guerra, com poucos recursos financeiros e de equipamento, e dos dramas humanos que o fenómeno acarretava.
E no entanto - e por isso mesmo - há um tom de grande poder nos planos de Leone, de energia crua nas suas tramas, magistralmente acompanhados pelas notas musicais de Ennio Morricone. Nascido em Roma em 1928, tem no currículo um impressionante número de bandas sonoras que passa a barreira das 500. Para além das famosíssimas obras para Leone nos filmes A Fistfull of Dollars / Per un Pugno di Dollari, For a Few Dollars More / Per Qualche Dollari in Piu e The Good the Bad and the Ugly / Il Buono, Il Malo e il Cativo; Morricone tem criações como The Mission de Roland Joffé, The Untouchables de Brian de Palma ou Bugsy de Barry Levinson, além de uma grande produção musical nos Estados Unidos bem como em Itália.
Em 2007 recebeu o Óscar Honorário de carreira, e Quentin Tarantino quis fazer dele o compositor para o filme Inglorious Basterds, que recusou por razões de agenda. De resto, os filmes de Tarantino são ricos em peças de Ennio Morricone, sobretudo o díptico Kill Bill.
Para ouvir, The Man With the Harmonica do filme Once Upon a Time in the West / C'era una Volta Il West.
Este último filme, apogeu do Western Spaghetti, obrigatório para qualquer cinéfilo, já foi tentativa de programação do nosso cineclube. mas a Atalanta, distribuidora em Portugal, perdeu uma bobina... Acreditem se quiserem. Ou se puderem.
LG


terça-feira, 13 de abril de 2010

Filmes Suecados

O blog leu a notícia(1) e aprendeu o que a expressão significa, a partir da experiência que foi levada a efeito no último Domingo em Lisboa, com base no filme Sound of Music de Robert Wise, mais conhecido como o musical que fala do romance entre o Capitão Von Trapp e Maria, no meio da recusa ao regime nazi.
Suecar um filme significa proceder à sua adaptação, a qual tem carácter de exercício rápido e paródico, com poucos ou nenhuns recursos. A "suecada" de Música no Coração ocorreu depois da experiência de Titanic, levada a efeito, também, pela Cinalfama.
A origem do fenómeno dos sweded movies nasceu a partir do filme Be Kind Reward de Michael Gondry. Nele, o protagonista tem a infelicidade de apagar o que está gravado em cassetes do clube de video de um amigo. Os dois decidem então refazer os filmes com a ajuda da população local. Estas novas versões "vinham da Suécia", assim era justificado aos clientes perante a demora da distribuição de cópias. Quanto à distribuição e exibição destes "jogos de sueca", o núcleo de cinema de Alfama - Cinalfama - encarrega-se do circuito, em ambiente de convívio e boa disposição, feito de pessoas que gostam de "brincar aos filmes", ou de experimentar exercícios de pró-cinema ou de representação.
Porque a brincar também se aprende qualquer coisa... às vezes...
LG
(1) Público, 11 de Abril de 2010