terça-feira, 20 de outubro de 2009

Cinema Português 4: Fernando Lopes

Elemento do núcleo duro do Cinema Novo Português, Fernando Lopes começa por trabalhar como técnico da RTP, antes de tirar o curso na London Film School. É em Londres que roda os seus primeiros trabalhos, antes de tornar a Portugal e rodar a curta-metragem As Pedras e o Tempo em 1961.
É no ano de 1964 que roda Belarmino, história de um decadente pugilista de Lisboa. O registo documental cruza a vida de Belarmino com um retrato de uma certa Lisboa marginal, pela qual todos passam mas que só a câmara consegue captar, num exemplo "contemporâneo" da Câmara-Olho que Dziga Vertov defendia.
O cinema de Fernando Lopes é em Portugal, creio, o caso mais óbvio do fenómeno de contaminação da televisão para o cinema. A linguagem televisiva exigia a captação de rápidos apontamentos durante as reportagens, numa altura em que vinham ainda longe os registos videográficos muito mais longos. A publicidade tinha invadido a televisão, como o cinema, exigindo pequenas narrativas coerentes que fizessem passar uma mensagem. São estes dois vectores, aliados ao facto de Fernando Lopes ter estudado no seio da escola documental britânica, que faz dele um cineasta peculiar, notoriamente nos anos 60.
Será, talvez por isso, que é o realizador da sua geração que mais utiliza a tecnologia video, em registos documentais que é a sua produção mais vasta, independentemente da qualidade das suas longas-metragens para cinema, indicadas em baixo, numa altura em que está concluída a rodagem de Os Sorrisos do Destino
LG
1964 - Belarmino
1971 - Uma Abelha na Chuva
1975 - As Armas e o Povo (colectivo)
1977 - Nós Por Cá Todos Bem
1984 - Crónica dos Bons Malandros
1987 - Matar Saudades
1993 - O Fio do Horizonte
2001 - O Delfim
2004 - Lá Fora
2006 - 98 Octanas

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Ás de Copas

Manuel Mozos é, neste momento, um caso sério do cinema português. Depois da dupla presença no Indie 2009 com Aldina Duarte: Princesa Prometida e Ruínas - o qual ganhou não só o prémio Tóbis como também foi premiado no festival FidMarseille -, o realizador foi (ainda está a ser) alvo de homenagem com retrospectiva integral dos seus filmes no Centro Cultural da Malaposta.
A História na Faculdade de Letras não o seduzia e ingressou no Conservatório onde se especializou na área de montagem, área em que trabalhou com variadíssimos autores. Ficou na (outra) História o desafio lançado pela Cinemateca, dando origem a um filme de montagem utilizando, apenas e só, cortes de censura guardados em arquivo. De feitio introvertido e circunspecto, Manuel Mozos conta já com uma considerável obra como realizador, de onde sobressaem os filmes Xavier, que tantos anos custou a finalizar, ...Quando Troveja e o recente 4 Copas.
É precisamente este filme que será exibido hoje à noite no Cineclube de Tavira, filme em que se cruzam quatro personagens que mais não são do que pessoas normais a viverem as suas vidas, com as suas "qualidades e defeitos, os seus desejos, alegrias, tristezas, verdades, mentiras, traições, culpas, medos e receios, emoções e sentimentos" (Manuel Mozos).
Em plano de fundo, um olhar sobre a Lisboa popular, que gosta de fado e de futebol, que muitas vezes são escapes da vida desconexa de cada um. E esta palavra, desconexão, é em última análise o que mais sucintamente pode resumir estas copas de Manuel Mozos.
Hoje à noite no nosso Cineclube.
LG

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Cor-de-Rosa com Estilo

Personagem de culto do Cinema de Animação, a mais famosa pantera do mundo nasceu de um "simples" genérico - aliás dois, início e fim - do filme de Blake Edwards The Pink Panther, em 1963. Nesse filme, o inspector francês Clouseau de Peter Sellers era mais uma composição física e psicológica do genial comediante britânico, às voltas com as pistas que levavam aos ladrões de um diamante, o Pink Panther, com fundo da genial partitura de Henri Mancini.
O nome do diamante provinha do facto de, à luz, o diamante produzir a silhueta de um felino, o que inspirou o animador Friz Freleng a idealizar a personagem animada. Os genéricos, de extraordinária sensação (e acompanhados pela sensacional e mundialmente reconhecível música de Henri Mancini), foram a catapulta para uma série de desenhos animados que Freleng (com o produtor David Hudson DePattie), desenhou de 1964 a 1980, num total de 124 títulos.
O mais "cool" desenho animado, atitude de "british snob", estilo, humor muitas vezes de tom absurdo e surreal, sai das situações complicadas de forma airosa, provocadas por pessoas que se intrometem, por alta tecnologia, por roedores e por insectos. Eis a Pantera Cor-de-Rosa.
Os 124 episódios em colecção, de fio a pavio, estarão à venda todos os sábados numa iniciativa do jornal Público, durante 10 semanas de 17 de Outubro a 19 de Dezembro. Uma excelente oportunidade de conhecer a fundo a vida da Pantera-Cor-de-Rosa e o estilo de um dos mais celebrados criadores de animação: Friz Freleng.
Divirtam-se e bom cinema!
LG

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Amália Rodrigues - 10 Anos

Há dez anos atrás, faz hoje anos, as férias que passava em Tavira tiveram naquele 6 de Outubro um sabor diferente. Difícil de definir, mas igual ao sabor que tem o desaparecimento de um ícone com o qual sempre convivemos, que gostando mais ou menos não se pode (nem se consegue) deixar de respeitar. A música portuguesa, no seu mais definido estilo, ficava orfã daquela que lhe moldou a forma, a textura e o som para o século XX e, quem sabe, para além dele.
Amália Rodrigues (23 de Julho de 1920 - 6 de Outubro de 1999), tinha o seu ocaso no Outono, deixando muita saudade, que ela cantou como ninguém. Palavra bem portuguesa, intrinsecamente ligada ao legado de Amália, pode vir a fazer parte da humanidade. Porquê? Porque desde 2005 que o Fado é candidato a Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO. Fado e Saudade, indissociáveis, seriam então universais.
No entanto, e paradoxalmente, a universalidade do Fado é já uma realidade, facto e argumento que leva algumas personalidades a serem contra a proposta. É o caso do ensaísta Eduardo Lourenço, que afirma que o Fado "dispensa a honraria", uma vez que Amália Rodrigues, pela sua voz, universalizou o Fado.
Um bocadinho de Portugal para o mundo, eis o que a UNESCO oficializaria, para um país que não perde a oportunidade de se pôr em bicos de pés para aparecer no panorama universal, movido pela Saudade de tempos melhores mas invariavelmente passados.
Não como Amália, figura que prevalece como figura mundial da música e do canto, longe da pequenez lusitana. É por isso que muitos de nós se sentem bem, orgulhosos com a possibilidade levantada pela UNESCO. Sentimo-nos lembrados e representados, como cantava o António Variações: "Todos nós temos Amália na Voz".
E o cinema? Sim, também por lá passou Amália (e o fado, claro), desde que o portimonense Armando de Miranda rodou em 1947 Capas Negras, juntando Amália Rodrigues e Alberto Ribeiro, dois ícones da canção nacional. Foi o maior êxito do cinema português durante quase quatro décadas (ver imagem).
Curiosamente, o filme mais lembrado hoje em dia e do mesmo ano, é o mais bem conseguido Fado, História d'Uma Cantadeira de Perdigão Queiroga. Seguiu-se Sol e Toiros de José Buchs em 1949, em que se representa a ela própria, e o épico do mesmo ano Vendaval Maravilhoso, produção luso-brasileira de Leitão de Barros, com o pano de fundo baiano e a Abolição da Escravatura, cantado romanticamente pela poesia de Castro Alves.
Amália Rodrigues ela própria, dá colorido musical ao filme francês de Henri Verneuil Les Amants du Tage em 1954, e no ano seguinte o mesmo acontece com o filme inglês de Euan Lloyd April in Portugal.
Se Sangue Toureiro, 1958, de Augusto Fraga, tinha a particularidade de juntar dois símbolos da tradição portuguesa, juntando a Amália o toureiro Diamantino Viseu; tem também a particularidade de o fazer naquela que foi a primeira longa-metragem portuguesa a cores.
Com o Cinema Novo nascido, Jorge Brum do Canto procura filiar-se na sua estética em Fado Corrido, 1964, filme em que Amália, fadista e amante de um fidalgo, tem porventura o seu melhor desempenho na tela, acompanhando um retrato de uma certa Lisboa que não se pode ver sem ser através do olhar cinematográfico. Algo que concorre com Belarmino de Fernando Lopes, do mesmo ano, se o leitor aceitar o desafio de comparar o percurso do pugilista do segundo com o fidalgo do primeiro.
LG

Outros filmes:
1965 - As Ilhas Encantadas, de Carlos Vilardebó
1990 - Os Cornos de Cronos, de José Fonseca e Costa
1993 - Passagem por Lisboa, de Eduardo Geada
1998 - Lulu on the Bridge, de Paul Auster (E.U.A.)