quarta-feira, 18 de março de 2009

De Danny Boyle a Satyajit Ray


Os Óscares já lá vão, os vencedores são conhecidos, embora longe da euforia de anos anteriores. Tal como o blog anteviu, Slumdog Millionaire acabou por ser o grande vencedor e por larga margem. Não resiti à referência, pois foi há dias que vi o filme de Danny Boyle, retrato de uma Índia que apesar da sua pobreza (ou se calhar por isso) acaba por ser de uma enorme riqueza.
Bollywood à parte, que é tema para outros espaços, o cinema indiano traduz e sempre procurou traduzir esse mesmo jogo riqueza-pobreza. Não chega muito até nós (pobres ocidentais da cauda da Europa) dos estimados cerca de 800 filmes por ano, mas podemos evocar o nome de Mira Nair e do seu Monsoon Wedding, que a cineasta dedica à sua própria família; e onde por trás da alegria e ostentação punjabi, se esconde uma Delhi de poluição, de movimento, de comércio, de angústia, de choque de etnias e culturas, que tem a invariável capacidade de nos seduzir.

Se recuarmos até 1988, podemos recordar outro filme de Mira Nair, Salaam Bombay! que venceu o Óscar para o Filme Estrangeiro. Conta a história de um grupo de crianças que sobrevive a vender chá, a pedir dinheiro e a "jogar às escondidas" com a polícia; tal como acontece com Jamal Malik, o slumdog millionaire do filme de Danny Boyle, no tempo da sua infância, tão cheia de referências que contribuem para o êxito no concurso televisivo.

E por falar em crianças, não posso deixar de referir a mais famosa criança do cinema indiano. Falo de Apu, que dá o nome à trilogia de Satyajit Ray, retrato imbatível de uma Índia vista através do expressivo olhar de Apu até se fazer homem e constituir família. De elevado realismo, o cinema de Ray funda-se no Neorealismo Italiano a que teve acesso sobretudo em Londres. A nostalgia, o desânimo e a compaixão são as suas armas cinematográficas, num país que teimava em não acertar o passo da produção de cinema. Por isso escreveu nos anos '40: "A crueza das imagens do cinema é a própria vida. É inacreditável como um país que inspirou tanta pintura, tanta música, tanta poesia, falhe perante o realizador de cinema. Ele só tem de ter os olhos abertos e os ouvidos atentos. Deixem-no fazê-lo."

Ray acabou por justificar estas linhas nos anos '50, quando o seu primeiro filme (e primeiro da trilogia de Apu) Pather Panchali, conquistou o Festival de Cannes; e acabou por contribuir decisivamente para elevar o estatuto do cinema indiano. Akira Kurosawa disse a seu propósito: "Não ter visto o cinema de Ray significa existir no mundo sem ver o sol ou a lua." É essa a força do seu cinema.

A trilogia de Apu:
Pather Panchali, O Lamento da Vereda, 1955
Aparajito, O Invencível, 1956
Apur Sansar, O Mundo de Apu, 1959

Permito-me destacar ainda, de entre uma prolífica obra superior, os filmes:
Jasaghar, O Salão de Música, 1958
Mahanagar, A Grande Cidade, 1963
Charulata, 1964
LG

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