sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Holocausto by Hitchcock?

Foi na Primavera de 1945 que as tropas aliadas, durante a Libertação da Alemanha, filmaram imagens cujo conteúdo todos consideramos hediondo. 
O campo de concentração de Bergen-Belsen foi libertado pelos britânicos, o de Dachau pelos americanos e  o de Auschwitz pelos soviéticos. Assim, os países destes 3 exércitos enviaram, entre as tropas, operadores de câmara que captaram com horror a realidade dos campos de concentração. Sabiam que existiam campos, não sabiam que o seu número ultrapassava os 300. Desconheciam o que lá se passava e não estavam, de todo, preparados para o que encontraram. 
A denúncia dos campos é o objectivo da Supreme Headquarters Allied Expeditionary Force, através de um filme que resultaria das imagens captadas. Nunca foi feito, mas da parte inglesa, cujos operadores tinham documentado com detalhe - ou não fosse o país com uma excepcional escola documentarista e onde despontaria o free cinema - pensa-se um trabalho cinematográfico sobre o assunto.
Surgiria então a figura do produtor Sidney L. Bernstein, do Ministério de Informação e mais tarde figura de destaque da televisão inglesa. Trabalharia com Alfred Hitchcock durante um mês, mas este está sintonizado em Hollywood, na segunda fase da sua carreira, com mais de meia-dúzia de filmes ali produzidos e envolvido na realização de Spellbound, A Casa Encantada. 
As primeiras cinco bobines, quase sem som síncrono, (cerca de 60 minutos que podem ser visualizadas aqui) foram apresentadas no Festival de Berlim de 1984, e emitidas um ano depois na televisão americana com o título Memory of the Camps, o que é considerado um trabalho inacabado de Alfred Hitchcock.
O facto é passível de larga discussão, entre o ser um filme que Hitchcock deixou por acabar, e o ser um trabalho de montagem em que Hitchcock foi o primeiro de mais colaboradores. Pode presumir-se que o mestre do suspense terá deixado aqui e ali, numa ou noutra sequência, a marca da sua arte de montagem, mas mais do que isso parece difícil. Ainda mais quando se verifica que testemunhos afirmam o quanto o realizador ficou horrorizado, o que terá sido um dos dados para abandonar o projecto. Além disso, não há biografia que clarifique toda esta situação. Clareza só num ponto: o fascinante que será investigar de modo a trazer à luz do dia a realidade sobre o envolvimento de Hitchcock em semelhante projecto.
Restaurada agora a sexta bobine e acabado o trabalho pelo Imperial War Museum de Londres, onde estava guardado o material, após quatro anos de trabalho, o Festival de Berlim recebeu este ano aquela que se aproxima da forma pretendida em 1945, altura em que o objectivo era alertar as gerações futuras, bem como confrontar o povo alemão com a sua culpa na ascensão do nazismo. 
"German Concentration Camps Factual Survey não é apenas um documento histórico. É o mais inimaginável filme de horror da História do Cinema", diz Francisco Ferreira no Expresso. Um marco inexorável do documetário. Como programar semelhante obra e em que contexto? "A hipotética exploração comercial de tal filme parece-me uma ideia atroz" diz Claude Lauzmann, autor de Shoah. O Imperial War museum prevê que o filme circule pelo mundo em sessões especiais, acompanhadas de uma apresentação e de um debate. 
LG

Sem comentários: