Já tem alguns dias a notícia do desaparecimento de um dos mais belos vilões do cinema.
Quando em 1961 Eli Wallach dançou com Marylin Monroe em The Misfits de John Huston, estavam todos longe de imaginar que a rainha das sex symbols desapareceria do mundo pouco depois. Nessa altura, Wallach era um homem de palco, como sempre fora e como sempre continuaria a ser. Foi ele quem disse, um dia, que se dispunha a filmar durante dez semanas para arranjar almofadas financeiras, o que lhe permitia, depois, montar espectáculos.
Na altura de The Misfits, dizíamos, Wallach era um actor de palco que tinha trabalhado também em televisão, tanto em telefilmes como em séries, durante dez anos, bem como em três obras de cinema, onde tinha tido pequenos papéis: Baby Doll, Elia Kazan 1956; The Lineup, Don Siegel, 1958 e Seven Thieves, Henry Hathaway, 1960. Neste mesmo ano John Sturges deu-lhe o papel de Calvera em The Magnificent Seven, o chefe do bando que aterroriza e oprime os habitantes de uma aldeia, que depois são ajudados pelos sete magníficos, que no Japão se tinham chamado samurais, filmados por Akira Kurosawa em 1954 na obra-prima com o título Sichinin no Samurai.
São as décadas de 60 e 70 aquelas em que Wallach mais trabalhou para cinema, dispersando depois nos anos 80 e 90 até ao último estreado, em 2010, no filme de Roman Polanski The Ghost Writer, num pequeníssimo e belo papel creditado como Old Man. Mas nos anos 60, de onde vêm os referidos e célebres The Magnificent Seven e The Misfits, encontramos também um soberbo Tuco, o vilão de The Good, The Bad and the Ugly ou, se preferirmos, Il Buono, il Bruto e il Cattivo, que Sérgio Leone filmou em 1966. O western-spaghetti, esse género híbrido, tão mediterrânico e kitsch, tinha sido elevado a um novo patamar de estilo. A sua linguagem cinemtográfica própria encontrava uma evolução, levada a efeito por Leone nos filmes antecedentes da trilogia, isto é, em a Fistfull of Dollars / Per un Pugno di Dollari de 1964 e For a Few Dollars More / Per Qualche Dollaro in Piu de 1965.
Nas terras áridas do Deserto de Almeria, local de rodagem dos três filmes, Wallach, o Vilão Tuco, surge ao lado do Mau Lee van Cleef e do Bom Clint Eastwood, num filme onde as relações entre os homens solitários são escalpelizadas e postas a nu e cru como só Leone foi capaz de fazer. A Guerra Civil americana é uma realidade, os mercenários ganham bom dinheiro por trabalho sujo, os bandidos são enforcados, os caçadores de prémios recebem quantias avultadas, procuram-se produtos de roubo escondidos. Tuco, o vilão Wallach, pelo Deserto de Almeria que é nos Estados Unidos, faz de conta, empresta frescura ao meio envolvente. Não só porque é ele que se refresca com água, que toma banho, que impõe a tortura do calor enquanto se mantém à sombra. Tuco é, num ambiente de aridez e dureza de relações, o elemento que dialoga, o elemento que grita e refila sonoramente, o elemento que confia e que põe, literalmente, a corda ao pescoço. É ele que dá ao filme o material plástico e fisionómico de que precisa, é ele que tem energia para dar e vender, é ele que pula, que salta, é ele que dá o corpo ao manifesto. É ele que corre sistemática e literalmente, pelo filme e pelo cemitério que esconde o dinheiro, numa magistral sequência de puro cinema que Ennio Morriconne ilustra com rara e inesquecível força musical.O Ugly é o elemento que, por inversão, é o herói absoluto de que não é possível não gostar, ao contrário do Good, um Clint Eastwood que sendo o bom, é um suporte para o brilhantismo, a excentricidade e a beleza da representação de Eli Wallach.
Por um acaso que tende a ser feliz, por contraditório ao desaparecimento de Wallach, o Cineclube vai fechar o programa da Mostra de Cinema Europeu deste ano, quase quase a começar, com o filme The Good, The Bad and the Ugly. Tal como a dança com Marylin, que não fazia prever a morte desta, também a programação das Mostras de Cinema de Tavira não previam que estaríamos, daqui a pouco, a render homenagem a Eli Wallach. Vamos assim poder celebrar um género cinematográfico desaparecido e tão pouco estimado, e homenagear devidamente um actor pouco conhecido mas muito merecedor desse nome.
Um filme absolutamente a não perder.
LG
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