quinta-feira, 30 de julho de 2009

Herzog lá por casa?


A Mostra de Cinema Europeu já lá vai, dez (aliás 11) filmes de qualidade que fizeram descobrir ou redescobrir algum do cinema de qualidade que nos últimos meses se viu em Portugal. Depois dos ABBA e do Woody Allen em Barcelona, e depois da surpresa de Hiroatsu Suzuki, fotógrafo japonês apaixonado por Trás-os-Montes; o ritmo fulgurante da Mostra passou por This is England e terminou com Slumdog Millionaire e Entre les Murs, indiscutivelmente dois dos grandes filmes dos últimos tempos.
Enquanto a 5ª Mostra de Cinema Não Europeu não chega, com cinema de Clint Eastwood a Charles Chaplin, o blog vem recordar uma das impressões mais bem vincadas da edição anterior, isto é, a projecção de Grizzly Man de Werner Herzog. É verdade que há nesta recordação uma pontinha de gosto pessoal, mas que não é razão para deixar de partilhar com os confrades cineclubistas a notícia.
A notícia, é o lançamento em dois volumes de uma coleção DVD deste cineasta alemão, uma carismática figura do Novo Cinema Alemão.
Aclamado pela crítica, sobretudo nos circuitos de cinema independente, popular entre os espectadores, construiu durante – sobretudo – os anos 70’ do século XX a sua reputação, a qual não goza de muito boa fama. Trata-se de um homem que faz filmes de temas suficientemente controversos, e que deixam mensagens a condizer. Um realizador que improvisa guiões à medida que cada uma das rodagens avança, envolta em névoas de mistério, muitas vezes em lugares inóspitos que levam ao risco de vida dos intervenientes.
Nascido em 1942, com fortes e marcantes memórias da 2ª Guerra Mundial, recusa aos doze anos em Munique, uma participação na sua escola em que tinha de cantar perante a turma, facto pelo qual esteve à beira da expulsão. Experiência traumática, só aos dezoito anos haveria de voltar a ouvir música. Anos antes, com a idade de catorze, uma enciclopédia foi o manual de iniciação à cinematografia e rouba da Escola de Cinema de Munique uma câmara 35 mm.
Mas tal rumo já Herzog decidira dar à sua vida. De volta à sua Munique aos doze anos, no final de um processo de sofrimento causado pela guerra e anos que se lhe seguiram, a sua família partilha um apartamento com Klaus Kinski. Diz Herzog: “Naquele momento eu soube que seria realizador e dirigiria Kinski”. A sua obra, os seus mais marcantes filmes, estão intrinsecamente ligados a esta super hiper carismática personagem.
Em Aguirre, Klaus Kinski é um aristocrata perdido com o seu séquito em plena floresta peruana, na procura do El Dorado. Os encontros com indígenas e as lutas de poder no interior do grupo fazem de Aguirre o único sobrevivente, numa jangada destruída na margem, invadida por dezenas de pequenos macacos. É neste momento, ao agarrar um destes seres, observando-o, que percebe que mais não é do que um deles, de uma pequenez sem expressão. Cobra Verde, um perigoso bandido do sertão, é enviado para negociar escravos com o rei do Daomé, acabando a comandar um exército de mulheres que destituem o monarca. Nas margens do Daomé, Cobra Verde desespera bizarramente por voltar ao seu país, observado por um deficiente motor de difícil compreensão. Baseado numa história verídica, o barco fluvial de Fitzcarraldo é transportado pelo interior da floresta, uma aventura de contornos impensáveis para atingir um rico território de borracha no interior do Peru. Estes são os três mais na minha descoberta, uma boa surpresa vinda da cinematografia de uma época alemã por vezes esquecida, apenas lembrada por Rainer Fassbinder e pouco mais…
Klaus Kinski é para Werner Herzog o mesmo que John Wayne é para John Ford, ou Toshiro Mifune para Akira Kurosawa. A sua forte, vincada e inebriante expressão e olhar foram a cara de um lado wagneriano do cinema de Herzog, que muito tem a ver com o melancólico e tenebroso Romantismo e mesmo com o Expressionismo, ou não fosse este uma “derivação” germânico-taciturna do primeiro. Filmes como Aguirre (1970), Woyzeck (1978), Nosferatu (1978), Fitzcarraldo (1982) e Cobra Verde (1987) são disso exemplo maior. Outros títulos a ter em conta: "Anões e Vilões" (1970), "A Canção de Bruno S." (1970), "Fata Morgana" (1971), "O Enigma de Kaspar Hauser" (1974).
LG

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